A BRAMON e o fluxo de trabalho colaborativo – Parte I

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Renato Poltronieri ministra oficina de montagem de estação de monitoramento de meteoros (3º EPA)

 Não é de hoje que nós falamos em trabalho colaborativo. Isto porque, para mantermos uma rede do tamanho da BRAMON, são necessárias muitas atividades de manutenção de todas as nossas “engrenagens”. Sejam em termos de recursos de equipamentos ou seja nos recursos humanos, temos a diuturna missão de congregar e otimizar saberes.

Em pouco mais de três anos de existência, o crescimento da rede tornou-se exponencial. Embalado por uma maior divulgação nas redes sociais e com o advento de importantes descobertas científicas, temos atraído mais e mais interessados.

Neste ponto, muitas pessoas que se achegam à BRAMON perguntam como é possível contribuir. O que de fato produz uma estação BRAMON? Embora muitos saibam que nossos objetos de estudo são os meteoros. Ainda existe certa dificuldade de entender como se dá a aquisição dos dados, processamento e produção de resultados práticos.

A estação single

A célula do organismo é a estação de monitoramento. Composta por uma câmera de vídeo, uma placa de captura de vídeo, um sistema de gravação e registro dos meteoros. A câmera então vigia um setor do céu. Mas não um setor aleatório ou desconhecido. O campo de visão tem que ser perfeitamente conhecido. Isso se dá através da astrometria. Assim, saberemos qual o azimute, elevação e ângulo de visão abarcado.  Sempre que um meteoro surgir então, será possível avaliar seu deslocamento através do campo de visão. Mas, aqui ainda não é possível ter definição de sua trajetória dentro da atmosfera, apenas teremos uma projeção em 2D, de seu deslocamento.

Figura 1. Meteoro Class J8_BHY Beta Hydrusids Mag -3.79 (H1- 93.4km) (H2- 84.9km). Registro da Estação DLM1
(Daniel Leal Mateus – Campinas – SP)

Justamente por ser uma imagem apenas, não temos como inserir profundidade à trajetória do meteoro. Usando dados de velocidade de deslocamento, data e rumo, os softwares de análise estimam a chuva da qual o meteoro faz parte.

Mesmo sem informações precisas sobre o meteoro, as estações single produz muitos dados relevantes.  Através delas podemos observar a flutuação de atividade meteorítica ao longo do tempo, treinar o pesquisador para trabalhos mais acurados e usar a estação como ponto de apoio à suporte e complementação de avistamento de bólidos e fireball reportados por outras testemunhas.

O meteoro da Cachoeira

Vejamos o caso do Meteoro em Órion, ocorrido com Lauriston Trindade e Bruno Marinho em  novembro de 2015:

“Nosso point de astrofotografia, aqui no Ceará, é o entorno do Casarão da Cachoeira, em Maranguape. Regularmente eu e amigos vamos observar ou fotografar o céu por lá. Com sua imponência colonial e aquela atmosfera soturna, o sobrado se ergue ao lado de um escuro açude mas, realmente não é sua arquitetura robusta ou sua fantasmagórica colina que nos cativam somente. Um céu escuro, distante apenas 50km de Fortaleza, nos permite ver a Galáxia de Andrômeda a olho nu.
Na noite do dia 15, uma parte do nosso grupo foi à Cachoeira (Distrito de Maranguape). Nesta empreitada eu não fui. Permaneci em casa. Procedi com meus usuais testes com a câmera BRAMON que possuo e decidi alterar o azimute de 170º para 90º. Isto é, apontaria exatamente para o Leste. Assim, em poucas horas, a grande constelação de Órion surgiria em meu campo de registros. A câmera ficou ligada. Computador ligado. Máscara astrométrica feita. Enquanto isso, na Cachoeira, o fotógrafo Bruno Marinho Monteiro estava fazendo uma série de fotografias de Órion. Uma câmera PY (Baby) e uma DSRL Sony separadas por 18 km, mas apontadas no mesmo rumo. Mesmo com objetivos distintos e dinâmicas diferentes em suas capturas, as duas registram um clarão! Menos de um segundo. – Vocês viram aquilo? – Perguntam na Cachoeira os astrofotógrafos enquanto apontam Órion. Aqui em casa, a tarja vermelha da detecção surge na tela do notebook e tão logo some. Mais de 20 dias depois… Bruno Marinho publica seu registro de um belo meteoro cruzando Órion. Algo que ele havia conseguido num de seus múltiplos frames na noite de 15/11. Rapidamente eu abro as pastas dos registros de novembro e busco a data e hora específicas. – 21h05min (hora local) da noite de 15 de novembro de 2015. – Ele disse que era o horário do registro por sua Sony. E às 00h04min46.828s (UTC) de 16 de novembro de 2015 consegui o mesmo registro. É interessante notar que cada câmera tem sua proposta de nível de captura e as duas serviram muito bem aos seus propósitos. Coincidência à parte, a fotografia obtida por Bruno Marinho Monteiro foi simplesmente belíssima. Órion é sempre um belo cenário.”

Figura 2. Registro feito pela estação MPE1 – Lauriston Trindade (Sede, Maranguape – CE). O meteoro pode ser visto no canto inferior da imagem, ao centro.

Figura 3. Registro feito por Bruno Marinho (Distrito de Cachoeira, Maranguape – CE)

     Ali, eu tinha apenas quatro meses de BRAMON, minha estação trabalhava sozinha e mesmo assim foi possível fazer este registro simultâneo que deu suporte a testes e exercícios de astrometria e comparação de metodologias de registros.

     Em contrapartida já tivemos situações onde testemunhas reportaram um avistamento de um grande earthgrazer (meteoro rasante) que percorreu os estados do Ceará, Piauí e parte da Bahia, mas não tínhamos nenhuma estação colaborativa à BRAMON na linha de visada deste evento. Perdeu-se então, a oportunidade de ter maior confiabilidade na trajetória do meteoro. Uma estação single atenderia muito bem a este propósito naquele momento.

    As Figuras 4 e 5 mostram alguns registros de Denis Araújo e Ricardo Cavallini e ajudam a BRAMON à quantificar a distribuição de ocorrência de meteoros ao longo do ano.

Figura 4. Estação FGL1 – Denis Araújo (Osasco – SP)

Figura 5. Estação CAV – Ricardo Cavallini (Batatais – SP)

     O coração das pesquisas está na estação, individualmente falando. Ali onde se concentra o saber inicial e avançado, para obtenção de dados relevantes.

     Para um primeiro momento, não é necessário extremo conhecimento em Astronomia. Mas é preciso motivação e interesse para aprender e manter os sistemas funcionando.

     Não buscamos coincidências na BRAMON, buscamos similaridades.

A BRAMON e o fluxo de trabalho colaborativo – Parte II (link em breve disponível).

Texto e Edição: Lauriston Trindade*

*Lauriston Trindade é integrante da BRAMON desde julho de 2015. Co-descobridor de chuvas de meteoros. Membro da IMO (Organização Internacional para Meteoros). Facebook: Lauriston Trindade.

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