O meteorito que NÃO deixou um homem milionário na Indonésia

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“Um meteorito atravessou o telhado de uma casa na Indonésia e deixou o morador milionário”. Essa notícia circulou o mundo nos últimos dias, mas infelizmente, a história não é bem assim. Na verdade, o meteorito encontrado vale bem menos que isso e o valor que foi pago ao morador ainda foi abaixo do que valeria.

Matéria no portal britânico Independent: Homem se torna milionário meteorito atravessar seu telhado

Matéria no portal britânico Independent: Homem se torna milionário meteorito atravessar seu telhado

Tudo começou no dia 1° de agosto de 2020. Josua Hutagalung, um indonésio de 33 anos que trabalha com a fabricação de caixões, estava trabalhando em casa numa encomenda, quando ouviu um forte barulho de explosão vindo do céu. Minutos depois, outro estrondo vindo do seu telhado da sua casa em Kolang, na Indonésia. Foi como se uma árvore tivesse caído sobre sua casa, mas quando foi ver o que era, encontrou um buraco no telhado e uma rocha escura de 2,1 Kg afundada no solo. Era um meteorito Kolang, um raro meteorito carbonáceo e que mudaria sua vida. Mas não tanto.

Local onde foi encontrado o Meteorito de Kolang e pedaço de telha arrancado na queda - Créditos: Josua Hutagalung

Local onde foi encontrado o Meteorito de Kolang e pedaço de telha arrancado na queda – Créditos: Josua Hutagalung

Josua filmou sua descoberta e publicou o vídeo no Facebook. A história não demorou para alcançar o mundo inteiro e rapidamente surgiram pessoas interessadas em comprar seu meteorito. Ele sabia que tinha em mãos um objeto bastante valioso e, por isso, não teve pressa em vendê-lo. Alguns pedaços menores encontrados por ele e por seus vizinhos foram vendidos rapidamente. Mesmo com a pandemia, que fechou os aeroportos na Indonésia, não foi difícil vender os fragmentos para compradores estrangeiros que pagavam bons valores por alguns gramas de meteoritos.

Um mês e meio depois, Jarred Collins, um americano que mora na Indonésia chegou até Josua. Jarred é um entusiasta da meteorítica, e estava representando compradores americanos interessados na peça encontrada por Josua.

Josua Hutagalung, o meteorito e Jarred Colins

Josua Hutagalung, o meteorito e Jarred Colins

Depois de um tempo de negociação Josua fechou negócio, vendendo o meteorito por um valor que não quis revelar, a princípio. Aos jornalistas, Jarred disse que Josua foi um negociador astuto e que havia vendido o meteorito pelo equivalente a 30 anos de salário. Geralmente o preço de venda de meteoritos não é revelado para preservar o vendedor, mas nesse caso, acabou gerando um constrangimento inesperado para Josua.

Na falta de uma informação precisa, um jornalista resolveu calcular o valor, e foi aí que começou toda a confusão que envolve esse caso.

Quanto vale um Meteorito?

Os meteoritos são fragmentos de rochas espaciais que eventualmente atingem a Terra, e resistem à passagem atmosférica até chegar ao solo. Eles não tem ouro, diamante ou qualquer outro mineral valioso em sua composição, ou seja, se formos considerar apenas seu valor como mineral, não valeriam muita coisa. Mas, como eles vêm do espaço e trazem consigo parte da história da formação do Sistema Solar ou até mesmo os segredos da vida aqui Terra, os meteorito têm um alto valor para a ciência, para colecionadores e museus.

E no caso do Meteorito de Kolang, seu valor é ainda maior por se tratar de um meteorito carbonáceo, que além de raro, tem em sua composição água, aminoácidos e outros compostos orgânicos, que podem explicar o surgimento da vida aqui na Terra. Isso faz dele um meteorito muito visado pela ciência. Além disso, o fato dele ter atingido o telhado da casa, o torna mais interessante para museus e colecionadores. Mas seu valor não chega nem perto do que foi estimado pelo jornalista.

Josua mostra o buraco no telhado feito pelo meteorito - Créditos: SmartNews

Josua mostra o buraco no telhado feito pelo meteorito – Créditos: SmartNews

A falha na estimativa foi, na verdade, uma falha bem comum. Ele encontrou na internet um pequeno fragmento de 33,7 gramas, do mesmo meteorito, à venda por US$ 29.120,00, o que daria um valor de US$ 864 por grama. A partir daí, ele estimou o valor da massa maior de 2,1 Kg simplesmente multiplicando o preço por grama e chegando à impressionante cifra de US$ 1,8 milhões, ou cerca de R$ 10 milhões. Evidentemente esse valor chamou a atenção no mundo inteiro, e vários portais de notícias reproduziram a história do indonésio que se tornou milionário da noite para o dia.
Fragmento de 33,7 g do mesmo meteorito anunciado na internet por US$ 29.120,00

Fragmento de 33,7 g do mesmo meteorito anunciado na internet por US$ 29.120,00

 

Matéria no Portal The Sun: "Fabricante de caixões indonésio se torna milionário instantâneamente após uma rocha espacial de $ 1,8 milhões atravessar seu telhado"

Matéria no Portal The Sun: “Fabricante de caixões indonésio se torna milionário instantâneamente após uma rocha espacial de $ 1,8 milhões atravessar seu telhado”

Mas, ao contrário do que ocorre com o preço da soja, do ouro ou do nióbio, não existe uma cotação por grama e nem forma de calcular o valor de um meteorito. Cada peça tem seu valor e isso depende basicamente de um equilíbrio entre o quanto o vendedor pretende ganhar e o quanto o comprador está disposto à pagar.

É fato que existem várias pessoas que adorariam ter um pedacinho dessa rocha espacial tão importante, e que estariam dispostos a pagar um bom valor por alguns gramas. Mas vai ser muito difícil encontrar alguém com a capacidade e a disposição para gastar milhões de dólares em um meteorito, por maior que ele seja. Por isso, o mais comum é que o preço por grama de um mesmo meteorito seja menor para peças maiores. Além disso, não se pode precificar algo em função de um anúncio na internet, onde qualquer pessoa anuncia o que quiser, pelo preço que quiser.

Santa Filomena, um exemplo brasileiro

Também em agosto de 2020, um outro caso ocorrido no Brasil chamou a atenção para o mercado de meteoritos. Santa Filomena, no Sertão Pernambucano, foi presenteada por uma chuva de meteoritos. Centenas, talvez milhares de fragmentos de diversos tamanhos caíram sobre a cidade e na zora rural do município, trazendo para o local pesquisadores, caçadores e comerciantes de meteoritos de todo mundo. Em Santa Filomena, eram condritos ordinários, o tipo mais comum de meteorito, que no auge da comercialização, estavam sendo vendidos a até R$ 40 por grama (cerca de US$ 7,3 gramas por grama).
Entretanto, a maior proposta recebida no maior meteorito encontrado em Santa Filomena, com mais de 38 Kg, foi de “apenas” R$ 120 mil, ou cerca de R$ 3,15 por grama. Por mais que o proprietário se negue a vender o meteorito por um preço que considera “injusto”, ainda não apareceu e possivelmente não aparecerá ninguém disposto a pagar mais por ele. Peças grandes como essa, quando não são compradas por museus ou governos, ou são vendidas por um valor bem menor que o esperado, ou acabam nunca sendo vendidas, se tornando propriedade de família de quem o encontrou.
Meteorito de Santa Filomena com 38,2 Kg - Créditos: Flávio Silva / Filó Notícias

Meteorito de Santa Filomena com 38,2 Kg – Créditos: Flávio Silva / Filó Notícias

Uma realidade bem mais dura

No caso do Meteorito de Kolang, o valor de 1,8 milhão que circulou o mundo, infelizmente passa longe da realidade. O meteorito nem vale isso, e mesmo que valesse, não seria esse o valor que um comerciante pagaria a Josua.

Como vivemos em um mundo capitalista, em que o lucro não só é permitido como é incentivado, qualquer comerciante que compre um meteorito pensando em revendê-lo, precisa considerar seus gastos e o lucro que pretende ter na venda. Geralmente o comerciante vende o meteorito duas a três vezes mais caro do que comprou. Assim garante o retorno de seus investimentos e os eventuais prejuízos com peças que ele não vende.

Antes de estimar o valor baseado em um anúncio na internet, o jornalista poderia ter feito um cálculo bem mais aproximado em cima dos “30 anos de salário” que Josua informou ter recebido pela peça. Na Indonésia, o salário mínimo varia entre US$ 500 e US$ 1100 ao ano. Considerando esses valores, o meteorito teria sido vendido por algo entre US$ 15 mil e US$ 33 mil. Talvez Josua ganhasse um pouco mais que um salário mínimo como fabricante de caixões, mas mesmo ganhasse 10 vezes isso, não chegaria nem perto dos US$ 1,8 milhões sugeridos na imprensa. E o que parecia pouco ficou ainda pior quando o valor dessa transação foi revelado.

Josua segurando o Meteorito Kolang - Divulgação/Facebook/Josua Hutagalung

Josua segurando o Meteorito Kolang – Divulgação/Facebook/Josua Hutagalung

Chateado com a repercussão do caso e cansado de ser rotulado pela imprensa como milionário, Josua revelou que recebeu dos compradores americanos um total de US$ 14 mil por sua peça, ou seja, apenas US$ 6,67 por grama. Disse também que se sentiu bastante enganado ao ver que um pedacinho de 33 gramas do mesmo meteorito estava a venda pelo dobro do valor que ele recebeu por sua massa de 2,1 Kg. Isso foi ainda mais constrangedor para ele, porque a imprensa deixou de tratá-lo como milionário e passou a tratá-lo como um tolo, pois teria vendido um meteorito que valia US$ 1,8 milhões por apenas US$ 14 mil. Mas a verdade é que nem uma coisa nem outra, porque seu meteorito nem valia tanto e nem foi vendido por um preço tão baixo.

Josua provavelmente receberia um valor maior se outros compradores pudessem chegar até ele, mas não muito mais do que recebeu. Em Águas Zarcas, na Costa Rica, em abril de 2019, houve uma queda de um Meteorito muito parecido com esse de Kolang. Na época, o local foi tomado por caçadores e comerciantes de meteoritos, que pagavam acima de US$ 20 por grama aos moradores locais. A grande quantidade de compradores aumenta a disputa por cada peça, o que eleva o preço dos meteoritos. Em Kolang, por conta da pandemia da COVID-19, não houve essa disputa, e isso provavelmente, é a principal causa do baixo preço pago pelo meteorito de Josua.

Meteorito de Kolang - Foto: Josua Hutagalung

Meteorito de Kolang – Foto: Josua Hutagalung

Outra coisa que pode o que pode ter desvalorizado seu meteorito é o fato dele ter sido vendido antes de ter sido analisado e classificado por um cientista. Algumas classes de meteoritos são mais raros e por isso valem mais. Mas só dá para ter certeza dessa classificação depois de uma análise científica. Se for comprar um meteorito antes da classificação, o comerciante irá considerar o preço mais barato para não se arriscar a um prejuízo, caso o meteorito seja de outra classe.

Mas no caso do meteorito de Kolang, pelas fotos já dava para perceber que se tratava de um meteorito carbonáceo que valeria mais do que foi pago a Josua. Mesmo que ele não se tornasse um milionário, não seria difícil vender por um valor duas ou três vezes maior se tivesse tido a oportunidade de oferecê-lo à outros possíveis compradores.

Josua Hutagalung e seus filhos

Josua Hutagalung e seus filhos

De toda forma, US$ 14 mil na Indonésia é um dinheiro considerável! Numa conversão direta, seriam cerca de R$ 75 mil, mas se considerarmos o equivalente a 30 anos de salários mínimos, seria algo em torno de R$ 360 mil. E com esse dinheiro, Josua pretende construir uma igreja para sua comunidade, realizar o sonho de ter uma filha e ainda guardar um pouco para sua aposentadoria. Não podemos negar que Josua é sim, um homem de sorte!

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